17 de mar. de 2009

Infância feliz

Ser criança antes era muito mais fácil. Hoje em dia tudo é perigoso. Ninguém tem mais coragem de deixar seus filhos brincarem na rua. E assim, crescem presos dentro de casa, em frente a um computador. Sabem de tudo o que está relacionado à tecnologia, informática, mas não conhecem o prazer de brincar no fundo de um quintal de terra, subir em árvores, comer uma fruta tirada na hora da árvore, tomar banho de chuva, brincar de corda, esconde-esconde, pega-pega e outras mil brincadeiras que tive o privilégio de experimentar. A infância de antes era mais feliz.
Minha infância foi muito bem vivida. Quando criança, fiz tudo o que tinha direito e era feliz. Tenho amizades que se concretizaram com o passar do tempo. Mesmo distante das minhas amigas de infância, sei que elas estão por aí, cada uma vivendo sua vida. Algumas estão casadas, outras ainda não. Sei que elas têm muita história pra contar, assim como eu.
Tatiane e Neia fizeram parte do meu círculo de amizades na minha primeira infância. Foram as minhas primeiras e melhores amigas quando criança. Foi ao lado delas que subi em árvores, “roubei” goiabas e mangas, as frutas mais gostosas que já comi. Com elas, construí cabaninhas no fundo do quintal de terra e fiz comidinha em um fogãozinho com dois blocos. Com elas, saltei muros das casas dos vizinhos pelo simples prazer da aventura. Juntas, formávamos um programa para o público infantil, onde nosso palco era uma carroceria velha e abandonada em frente à uma oficina de carros na rua da minha casa. Nós três cantávamos e o público era imaginário...
A chuva e o cheiro da terra molhada era um motivo de alegria.
No quintal da casa de Feliz –Felicidade era o nome da vizinha- nós fazíamos bolinhos de terra que até dava vontade de comer mesmo, de tão bonitinhos que ficavam.
Juntas, aprontamos muitas coisas e fomos crianças felizes.
Com meus irmãos também já aconteceu de tudo. Meu irmão, em especial, deu muito trabalho pra minha mãe. O nome dele é Leonardo e, só pra se ter uma idéia, o apelido dele lá na rua era “Leo capetinha”.
Marina era a mais distraída e sem juízo. Aparecia com suas treitas e sempre sobrava para todos.
A mais nova, Fernanda, era mais quietinha. Quase não me lembro de algo que ela tenha feito pra ter deixado alguma recordação mais marcante. Me lembro sim, do dia em que eu peguei ela em meus braços, quando ela tinha apenas uns 2 aninhos e a deixei cair e bater a nuca na quina do degrau do banheiro. Apanhei feio da minha mãe nesse dia...
Vivi tão intensamente esses anos que até hoje ainda sonho morando naquela rua, com aquelas mesmas pessoas. Mas, algumas delas já se foram. Dona Telina era a senhora da rua. Respeitada pelos adultos,colocava medo nas crianças, mas no fundo gostava de todos nós. Há uns 4 anos ela faleceu. Mas tenho ainda viva a lembrança dela. Lembro detalhadamente como ela era: baixinha e gordinha. Se vestia sempre com um vestido abaixo dos joelhos, os cabelos amarrados com um coque. Andava mancando de uma perna e sempre usava sandálias havaianas. Me lembro perfeitamente disso porque sempre via só as suas pernas por debaixo da mesa quando eu e Tatiane entrávamos escondidas na casa dela. No rosto, uns óculos grandes, quase fundo de garrafa. A voz grave e firme. Como a casa dela era colada com a minha, sempre que aprontávamos alguma coisa errada e apanhávamos, nosso socorro era ela. A gente gritava do quintal:
-Dona Telina, socorro! Manda mainha parar de bater na gente!
-Dona Telina, vem aqui tirar a gente do castigo. Meus joelhos estão doendo porque já tem meia hora que estou ajoelhada no chão do quintal.
E ela gritava do outro lado do muro:
-O que foi que vocês fizeram pra ficar de castigo?
E logo chegava ela lá em casa e pedia mainha pra tirar. Às vezes ela ouvia o conselho daquela sábia senhora, às vezes não, quando estava com muita raiva.
Perto de casa tinha um bequinho de terra, onde as crianças se encontravam para brincar e fazer armadilhas. Um buraco era cavado e dentro dele colocávamos tudo que encontrasse pela frente. Lixo, pedras, e nas vezes em que meu irmão comandava ele colocava até caco de vidro. Por cima do buraco era colocada uma folha de papel e jogavam terra em cima da folha. Todos ficavam escondidos esperando a primeira vítima.
Foi também nesse bequinho que meu pai nos levava para enterrar e fazer uma missa para algum animal de estimação nosso que morria. Geralmente era algum pássaro que ele criava em casa. Meu irmão fazia uma cruz com palitos de dente e colocava em cima do local onde o pássaro foi enterrado.
Viver desde os meus dois anos de idade até minha adolescência com essas pessoas se tornou algo inesquecível. Se pudesse voltar no tempo, faria tudo novamente. Roubaria mais goiabas, saltaria mais muros, correria mais riscos, sem imaginar o perigo que corria. Seria uma criança ainda mais feliz do que fui. Eu me sentia feliz, mas não sabia que era tanto...




1 comentários:

Anônimo disse...

Me deu até saudades da minha infância lendo suas histórias...